Sim, Tiradentes tem muita história a contar. E elas são narradas num
idioma típico das Gerais: o “mineirês”, o “jeitim” econômico de o
mineiro se expressar falando sempre as palavras pela metade. É nesse
gostoso linguajar que o turista é informado que foi em uma fazenda nas
cercanias do então povoado fundado em 1702 que nasceu o líder da
Inconfidência Mineira Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido pelo
nome de Tiradentes.
Em 1718, o arraial, uma terra extremamente rica em ouro e pedras
preciosas, foi elevado à condição de vila, passando a se chamar São José
em homenagem ao príncipe português. Anos mais tarde, rebatizada,
chamou-se São João Del Rei. O atual nome surgiu somente depois da
Proclamação da República, numa referência ao mais importante
inconfidente do país.
Militar com a patente herdada do pai, o alferes Tiradentes foi preso
em 15 de outubro de 1791. Levado ao Rio, na época a capital do Brasil,
foi enforcado em 21 de abril de 1792. Seu corpo foi esquartejado e suas
partes foram expostas em pontos estratégicos como uma advertência aos
inconfidentes e a todos aqueles que ousassem se rebelar contra a Coroa
Portuguesa.
Praticamente
tudo em Tiradentes remete a esses períodos históricos: a arquitetura
barroca totalmente preservada de suas casas, solares, igrejas e outras
edificações erguidas pelos escravos nos séculos 18 e 19. Os becos e
ruelas por onde os negros eram obrigados a passar, pois não podiam
circular pelos caminhos dos brancos. O Chafariz de São José da Botas
construído em 1749 que abastecia a população com água e que também foi
um dos principais pontos de comercialização de escravos do país.
As
ruas feitas de solteironas, pedras assim chamadas pelo fato de não se
interligarem umas às outras. Os telhados dos casarões coloniais
adornados por eiras, beiras e trigueiras, costume da época para
demonstrar as posses financeiras de seus moradores. Na casa decorada com
eira vivia uma família de bens. Já a com eira e beira era habitada por
ricos, enquanto a com eira, beira e trigueira pertencia aos milionários.
As demais não ostentavam nenhum desses elementos. Nelas moravam os
pobres, a maioria da população.
Caminhar
pelas ruas de Tiradentes significa desvendar esses e muitos outros
tesouros, como a Matriz de Santo Antônio, uma das mais intactas e
significativas expressões do barroco brasileiro. Construída a partir de
1710 e com fachada projetada por Aleijadinho, é a segunda igreja barroca
mais rica em ouro do Brasil – só perde para a de São Francisco, em
Salvador (BA).
É ainda testemunhar o cotidiano de alguns dos inconfidentes que se
rebelaram contra os altos impostos cobrados pela Coroa Portuguesa. Dos
17 principais inconfidentes, 11 nasceram ou moraram na cidade. Foi no
solar de um deles, o padre Carlos Toledo, que em 1788 aconteceu a
primeira reunião da Inconfidência.
Deste encontro brotaram os ideais de libertar o Brasil do domínio de
Portugal. Após restauração, o casarão do padre inconfidente, agora Museu
Toledo, foi aberto à visitação pública. Seu acervo é integrado por
objetos, mobiliário e pinturas da época. Destaque para os tetos de seus
cômodos, retratados com motivos clássicos.
O padre Toledo tinha dois escravos, a quem tratava com respeito,
segundo contam durante a visita guiada ao museu. Mas um olhar mais
atento ao quintal da casa revela que a mesma sorte não foi compartilhada
pelos negros que ali moraram após o exílio do inconfidente para a
África.
Ali ficam antigas senzalas. Escuras, com pouca ventilação e com ainda
menos espaço, denunciam as precárias e insalubres condições que os
escravos e as suas famílias viveram nos tempos que o solar foi habitado
por outros proprietários.
História viva – Tiradentes
faz parte do circuito das cidades históricas mineiras, ao lado da
vizinha São João Del Rei e de Ouro Preto, Mariana, Sabará e Congonhas,
só para citar algumas. Mas, ao contrário de algumas delas, hoje
descaracterizadas em função do desenfreado crescimento urbano,
Tiradentes preserva todo o esplendor de um município que fez parte do
Ciclo do Ouro.
O motivo? A cidade é tombada pelo Iphan desde 1938. Por ser um
patrimônio histórico nacional, nenhuma de suas construções coloniais nem
mesmo o calçamento das ruas podem ser modificados. Novas propriedades
podem ser erguidas, mas sem nunca ultrapassar a altura de dois andares.
E é exatamente em função da altura limitada de suas edificações que é
possível andar pelas ruas de Tiradentes e seguir a trilha da história
desfrutando dos bucólicos cenários naturais que desfilam diante do olhar
e do ar puro exalado pelas charmosas montanhas da serra.
Na trajetória há muito a se vislumbrar: a cadeia pública feminina erguida em 1730 e reconstruída em 1835
, e
as igrejas de São Francisco de Paula, de Nossa Senhora das Mercês e de
São João Evangelista. Todas erguidas nos séculos 18 e 19.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a Capela da
Santíssima Trindade também integram esse roteiro de volta ao passado. A
primeira data de 1708. Era frequentada pelos escravos vindos da África,
tendo sido também construída por eles.
Os negros trabalhavam em sua construção durante a madrugada e
conseguiram decorar o interior da igreja com o ouro que traziam
escondido nas unhas e cabelos roubado de seus senhores. Exceto pela
imagem de Nossa Senhora do Rosário, todas as demais de seu altar são de
santos de cor negra.
Já a segunda é de 1810 e foi o palco onde o alferes Tiradentes,
devoto da Santíssima Trindade, exigiu que a bandeira da Nova República
tivesse o triângulo da Trindade. A Inconfidência fracassou, mas o
símbolo foi incorporado posteriormente à bandeira do Estado de Minas.
Nem tudo é passado – Tiradentes respira e transpira
história. Mas a cidade não vive só do passado. Glamourosa e
aconchegante, oferece uma organizada e diversificada programação de
eventos, desde os culturais, gastronômicos e esportivos até os
religiosos. Eles acontecem o ano todo, movimentando o turismo local.
Com mais de 200 pousadas e hotéis, essa acolhedora terra de gente
simpática e hospitaleira abriga ainda diversas lojas de artesanato;
casas que comercializam doces, queijos e outras guloseimas típicas da
região; cervejaria onde se pode degustar um geladíssimo chope artesanal e
muitos restaurantes e bares.
Área rural da cidade de Tiradentes.
Muitos desses estabelecimentos ficam ou se espalham ao redor do Largo
das Forjas, o coração de Tiradentes, no centro histórico. Foi nesta
praça que os negros festejaram o fim da escravidão em 1888. Também é
nele que funciona a prefeitura local. Erguido em 1720, o “prédio” é
outra das preservadas construções coloniais da cidade.
Repaginada em 1989 pelo paisagista Roberto Burle Marx, a praça abriga
ainda a Igreja do Senhor Bom Jesus da Pobreza, de 1771. Também é nela
que está uma das sete passagens do calvário percorrido por Jesus antes
de sua crucificação – as demais estão no entorno do centro histórico.
Em uma das laterais do Largo das Forjas, charretes fazem a alegria da
meninada – há mais de 30 delas por ali. Elas fazem vários passeios pela
cidade e podem transportar até quatro passageiros.
Com cerca de sete mil habitantes e exuberantes paisagens, Tiradentes
oferece diversas opções de lazer, desde andar pelas suas ruas e curtir
música ao vivo em um de seus sofisticados bares até fazer tours pelos
cartões-postais da cidade e aos municípios vizinhos
Inaugurada por Dom Pedro 2º, a Maria Fumaça de 1881 tem saídas regulares nos finais de semana.
A Estrada Real é uma das agências de viagem locais que disponibiliza
diversos roteiros, incluindo os que conduzem às históricas Lavras e São
João Del Rei, os de ecoturismo pela Serra de São José e o passeio de
Maria Fumaça.
Por sinal, essa é outra atração bem legal de Tiradentes. Inaugurada
por Dom Pedro 2º, a locomotiva de 1881 tem saídas regulares nos finais
de semana. Seu destino é São João Del Rei, a 12 km de distância. No
trajeto de 35 minutos, o simpático e antigo trem passa pelo Rio das
Mortes e pelas antigas fazendas da região.
Por falar nisso, Tiradentes, como dizem os que nasceram nas Gerais, é
um “trem danado de bão”. Concilia tudo de melhor: a maravilhosa comida
mineira, história, cultura, vida noturna animada, um movimentado
calendário de eventos para todos os gostos e idades e cenários
belíssimas. Enfim, ali o presente e o passado se mesclam, num mix de
pura emoção e sensibilidade. É preciso falar mais, uai!
"sem eira nem beira e sem tribeira"?
Fulano não tem eira nem beira, ou seja: não tem onde cair morto. A
expressão veio de Portugal, de navio. A palavra eira vem do latim
"area", significando um espaço de terra batida, lajeada ou cimentada,
próximo às casas, nas aldeias portuguesas, onde se malhavam,
trilhavam, limpavam e secavam cereais. Depois da colheita, os cereais
ficavam ao ar livre e ao sol, a fim de serem preparados para a
alimentação ou para serem armazenados.
Quem possuísse uma eira era proprietário e produtor, com terras, casa
e bens. Quer dizer que tinha riqueza, poder e status social.
Já a beira é a aba da casa, aquela extensão do telhado que serve para
proteger da chuva. "Quem não tem eira nem beira não é dono de terra
nem de casa.
Já a tribeira era os miseráves que só podia colocar uma camada de telhas
Nos tempos atuais, é um sem-teto, um sem-terra. Diz-se
de quem vive miseravelmente, na extrema pobreza".
a expressão ganhou popularidade devido a sua rima e
mostra a condição de uma legião cada vez maior de famintos e
miseráveis, "na margem das cidades e das estradas, à espera de dias
melhores".